
A eterna cegueira da burocracia europeia
A Europa é um dos maiores mercados do mundo.
Estar dentro da União Europeia (UE) é ter acesso a esse mercado, e beneficiar igualmente de condições financeiras muito favoráveis que derivam da partilha de uma moeda, da sua força económica e das suas relações internacionais.
Por isso, não tenhamos dúvidas, é muito importante estar na Europa.
Contudo, nunca se esqueçam de que não há almoços grátis. Esta Europa, que muito nos ajuda, tem também uma enorme gula de poder e deseja, muitas vezes, mandar em nós e decidir o nosso destino.
A vontade política de evoluir de um mercado único para a UE teve, desde cedo, como objetivo o controlo de todo o espaço europeu. E, em resultado deste processo, temos assistido ao transferir da autonomia e do poder das capitais nacionais para as instituições europeias. E isto foi-se verificando de todas as formas e feitios possíveis.
Algumas consequências foram positivas, como a criação de condições de concorrência mais equilibradas, apesar de, na prática, funcionarem de modo diferente consoante o entendimento de cada país. Mas tivemos também consequências negativas, como a excessiva normalização dos produtos e das condições de produção, promovendo sempre mais a forma do que a verdadeira qualidade.
Acabamos por aceitar essa intervenção da UE com maior ou menor paciência, uma vez que as decisões, que nos afetavam, tão pouco eram causadoras de uma destruição completa da nossa realidade e autonomia. Por seu lado, a Europa, não conseguindo melhor argumentação para acelerar o processo, consentiu, com bastante frustração, a demora para atingir o domínio completo do espaço político. As tentativas de criação de uma federação, de uma política de relações internacionais ou de defesa foram sendo frustradas e não deram, para já, frutos.
Com a crise das dívidas soberanas e o seu impacto nas instituições financeiras europeias, em Bruxelas e Frankfurt acenderam-se novas luzes e tudo foi feito, sob a justificação da proteção do sistema financeiro, para garantir um controlo absoluto da vida dos diversos países, através do domínio das suas estruturas bancárias.
A burocracia europeia criou uma teoria sobre a quantidade de bancos que deveriam atuar no espaço europeu. Depois, surgiram normas de supervisão que forçam capitalizações elevadíssimas que acabam por inibir os bancos de utilizar os seus recursos para rentabilizarem as suas atividades. Por fim, o cumprimento de regras de supervisão, totalmente cegas, limitam as aprovações das operações bancárias.
Tudo isto inibe a boa gestão de uma instituição financeira, que deixa de conseguir apoiar quem conhece, para passar a apoiar aqueles que, com situações de balanço credíveis e já estruturados, podem candidatar-se a mais recursos, ainda que não lhes sejam avaliadas as suas competências pessoais e os modelos de negócio que suportam esses investimentos.
No fundo, estamos a assistir a uma intervenção política das instituições europeias, através do condicionamento das instituições bancárias, que apenas conseguem apoiar financeiramente aqueles que cumprem as regras do centralizado poder de Bruxelas e Frankfurt.
A exigência do cumprimento de critérios ligados à sustentabilidade é um último exemplo desta tendência. A Comissão Europeia e o Banco Central Europeu querem implementar regras, independentemente das capacidades, justiça ou práticas reais que as empresas estejam a cumprir. Isto pode criar situação de forte injustiça.
Empresas que cumpram critérios de sustentabilidade, mas que não tenham processos burocráticos instituídos que o demonstrem, vão ter o recurso ao apoio bancário mais dificultado. Pelo contrário, aqueles que possuam toda a documentação, ainda que não cumpram os critérios verdadeiramente, continuarão a ser considerados como elegíveis para esse apoio.
Mais uma vez, o triunfo da forma sobre o conteúdo, exatamente como aconteceu, por exemplo, na crise do subprime com as empresas que asseguravam ter um governance impoluto e que nos mergulharam em dificuldades económicas históricas.
Uma nota
Desapareceu esta semana um amigo, um excelente profissional, um homem de caráter e de valores. Frederico, até sempre e obrigado por tudo.
Artigo publicado em Diário de Notícias no dia 06/01/2023