
A ignorância é atrevida
Assistimos, nas últimas semanas, a um debate quase histérico sobre um investimento na cidade de Lisboa em que a generalidade das pessoas fez julgamento, tomou partido e decidiu de sua justiça sobre a verdade e a correção da decisão de o promover.
Na sua vasta maioria, as pessoas assumiram que fazer um palco pelo valor de 4.5 milhões de euros seria uma verdadeira monstruosidade, de tal forma e com tal segurança que já todos consideraram fundamental baixar tal custo para cerca da sua metade.
Fiquei curioso em saber porque é que um palco de 2.25 milhões de euros não será um palco caro.
Mais fiquei com dúvidas profundas de saber se, no caso de o primeiro valor conhecido fosse o de 2.25 milhões de euros, não teríamos assistido exatamente à mesma reação e se não estaríamos hoje à procura de um palco no valor de 1.125 milhões de euros.
Do lado de quem critica o custo do palco, toda a argumentação estava relacionada com a questão de que tudo isto era para receber a visita do Papa e, portanto, uma questão essencialmente religiosa.
Da parte dos promotores a questão era o aproveitamento de um evento, conseguido através de uma candidatura que o governo de Portugal promoveu, que poderia servir para criar infraestruturas importantes para futuros eventos e que beneficiariam a cidade de Lisboa.
Por parte dos defensores, a maioria dos argumentos esteve sempre relacionada com a comparação dos custos do evento com as decisões tomadas pelo governo em casos que, na sua opinião, seriam muito mais criticáveis do que o palco em questão.
Mal vai a sociedade em que ninguém escuta ninguém e em que se tenta sempre mais ganhar a discussão do que escolher a melhor decisão.
Daquilo que fui ouvindo e do que consegui compreender, seria muito mais importante tentar entender verdadeiramente qual será a vantagem real futura da realização deste investimento e verificar se, efetivamente, o resultado que possa vir a gerar será razão que justifique aquele valor e se qualquer alternativa mais barata teria um resultado melhor do que aquela que está proposta.
Por outro lado, conviria explicar muito claramente qual a verdadeira razão do investimento: que advém da decisão de albergar as Jornadas Mundiais da Juventude e o que resulta do aproveitamento daquelas para melhorar as condições de que dispõe a cidade de Lisboa para receber eventos no futuro.
Por último, devemos também claramente afirmar que não é por existirem outros casos de má gestão do governo português que poderíamos justificar uma decisão errada neste assunto.
A discussão pública está cada vez mais extremada nas posições que defendem os nossos e contra o que defendem os outros.
A perspetiva clubística facciosa a que assistimos em cada argumento utilizado é uma das mais fortes condições para destruirmos a sociedade democrática em que dizemos querer viver.
Deixámos de pensar primeiro para criticar ou apoiar depois, para passarmos a reagir no imediato apenas com a informação que nos passaram aqueles que falaram antes de nós, sem qualquer critério de valor e de capacidade de avaliação própria das posições que estamos a assumir.
As Jornadas Mundiais da Juventude, todos os intervenientes concordaram, são um enorme evento que beneficiará Portugal.
Todos queremos que o Estado e as suas instituições possam tratar dos dinheiros públicos de uma forma séria e vantajosa para o país.
De todos os que participaram nesta discussão pouquíssimos saberão qual é o custo de um palco e a sua rentabilidade para que possam tomar uma decisão.
Estamos a criar uma sociedade de acusadores que inibem qualquer iniciativa apenas pela razão de que é a única forma que têm de ser reconhecidos.
Acabaremos por destruir tudo aquilo que dizemos querer construir.
Artigo originalmente publicado em Diário de Notícias no dia 03/03/2023