
A urgência de pensar
Os economistas sempre souberam que o excesso de liquidez promove a inflação.
Por isso mesmo, estavam todos bastante perplexos com a realidade vivida entre o ano de 2008 e o ano da pandemia – mais de uma década em que houve um extraordinário aumento da liquidez nos mercados e em que vivemos com uma inflação quase inexistente.
Eis senão quando, provocada por razões totalmente alheias à liquidez disponível, lá surgiu de novo a subida dos preços, o que levou os nossos líderes a decidir que, ao final de todo este tempo, a teoria económica teria voltado a funcionar.
Ora, na minha opinião, não foi de facto isso que se passou.
Por um lado, a inflação não compareceu durante todo aquele período apenas porque se mudou um paradigma.
A existência de liquidez no mercado teve sempre como resultado um aumento da capacidade de consumo por parte das populações e era efetivamente este aumento da capacidade de aquisição que espoletava o crescimento da inflação.
O aumento da procura promovida pela maior capacidade de consumir fazia subir os preços e levava a um círculo vicioso de aumento do custo de vida.
Para fazer face a este efeito inflacionista, a medida imediata disponível para a conter era o aumento do custo do dinheiro, tentando que esse custo diminuísse a sua disponibilidade.
Nos anos de 2008 a 2019, o que aconteceu foi que a introdução de liquidez nos mercados, muito ligada à ultrapassagem da crise que viveram a maioria das instituições financeiras e que necessitavam absolutamente de recuperar a sua solidez de balanço, não foi acompanhada por uma distribuição dessa mesma liquidez aos consumidores.
Pelo contrário, foi dificultado o acesso ao crédito e concentrado nas instituições um excesso de liquidez que não foi utilizado para consumo e que, por isso, não foi criador de uma inflação.
A inflação que acabámos por registar nos últimos anos não teve a ver, de modo algum, com a liquidez, mas apenas com circunstâncias consequentes que afetaram muito significativamente a economia mundial e que, ao tornarem escassos os produtos, levaram ao crescimento da inflação.
Em primeiro lugar, a pandemia fechou países inteiros e parou a produção de produtos que continuaram a ser procurados, o que aumentou o seu preço de venda.
O fecho destes países provocou um desequilíbrio logístico mundial que contribuiu tanto para o aumento da dificuldade de acesso aos produtos como para o aumento do custo de posicionamento dos mesmos nos diferentes mercados.
De seguida, a guerra na Ucrânia trouxe-nos um aumento de custos da energia, de alguns cereais e dos fertilizantes que afetaram o aumento da alimentação em quase todos os países.
Por fim, a seca enorme que se viveu durante o ano de 2022 ajudou a aumentar os preços de todos os produtos agrícolas.
Tudo isto resultou na inflação que estamos a viver neste momento e que, porque nada tem a ver com a liquidez disponível no mercado, dificilmente será travada por políticas monetárias, como aumento de taxas de juro, ou de contenção salarial, que mais não farão do que aumentar os custos e diminuir a qualidade de vida dos cidadãos – e assim contribuirão para prolongar este período inflacionista.
A inflação que temos é resultado de condições específicas de acontecimentos extraordinários que ocorreram num curto espaço de tempo e não se combate com fórmulas que servem para tratar eventos de carácter essencialmente financeiros.
É preciso pensar para poder decidir e cada vez mais somos conduzidos por quem não pensa – seja porque não sabe ou apenas porque não tem tempo.
Publicado em Diário de Notícias no dia 16/12/2022