
Automação exige requalificação da sociedade
No início deste ano, as manchetes dos jornais em Portugal alertavam para o facto do esperado aumento do recurso aos “robôs” poder vir a determinar a eliminação de 1,1 milhões de empregos em Portugal, até 2030.
Esta era uma das conclusões de um estudo então divulgado sobre o futuro do trabalho no nosso País, realizado pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP) em parceria com o McKinsey Global Institute e a Nova SBE, documento que também prevê que 1,8 milhões de trabalhadores portugueses irão necessitar de reciclar e melhorar as suas competências ou mudar de emprego nos próximos onze anos.
Embora os autores do estudo ressalvem que estas projecções são baseadas em modelos que têm em conta apenas as tecnologias de automação existentes – e todos sabemos que a inovação nesta área é quase diária –, a verdade é que a ordem de grandeza dos números apresentados não deixa dúvidas, desde já, sobre a importância crítica que esta temática assume no desenvolvimento futuro da nossa sociedade.
Automação: ponto da situação
Um outro estudo da McKinsey sobre o impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho de 46 economias (representativas de 90% do PIB mundial) prevê a eliminação de entre 400 e 800 milhões de empregos em todo o mundo nos próximos onze anos. No documento admite-se, no entanto, que se forem tomadas as medidas mais correctas, o mercado laboral poderá vir a ajustar-se e a reduzir o desemprego a prazo, mas com menor crescimento dos salários.
Não será por acaso, aliás, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) escolheu este tema para a celebração do seu centenário, tendo publicado um extenso relatório sobre o futuro do trabalho no mundo. Um documento onde sobressai uma mensagem para os governos no sentido de serem tomadas medidas capazes de enfrentarem os desafios da robotização e da inteligência artificial com protecção dos direitos dos trabalhadores.
E é precisamente este o objectivo principal que se coloca: optimizar as enormes vantagens das novas tecnologias no processo produtivo, compatibilizando-as com o progresso social e ético através das políticas de emprego mais ajustadas.
Reconverter a força de trabalho
Como é bom de ver, trata-se de um desafio que tem tanto de exigente como de aliciante, reclamando uma acção concertada e ambiciosa dos governos, empresários e trabalhadores relativamente à necessária reconversão da força de trabalho com os maiores ganhos sociais possíveis.
De facto, sustentam os especialistas, se o processo de transição laboral for bem concretizado, há razões de sobra para ser optimista em relação ao desenvolvimento económico e social alavancado na revolução tecnológica em marcha. Caso contrário, existe o perigo real do desemprego de longo prazo disparar e de ser criado um “exército de excluídos”.
Se é verdade que 50% do tempo despendido em Portugal nas actuais actividades laborais poderia ser automatizado com as tecnologias já existentes, também é previsível, segundo o estudo da CIP, que o processo de automação e o induzido crescimento económico poderão criar entre 600 mil e 1,1 milhões de novos postos de trabalho até 2030. Teríamos assim, na melhor das hipóteses, uma situação de equilíbrio entre empregos perdidos e criados, com a vantagem de os novos empregos serem tecnologicamente mais sofisticados, incidindo especialmente em áreas como a saúde, a ciência e a tecnologia.
Quer isto dizer que o desafio que temos pela frente pode e deve resultar numa enorme oportunidade. Mas, para isso, teremos que saber minimizar as dificuldades levantadas pela digitalização da economia, enfrentando a fase de transição com novas políticas que sustentem um ambicioso e dinâmico plano de requalificação da nossa sociedade. O que só poderá ser alcançado com um esforço muito bem conjugado entre o sector público, as empresas e as instituições de educação e formação, com as Universidades à cabeça.
Transformar os currículos escolares
No que toca às associações empresariais, tem sido patente a preocupação com a necessidade de dimensionar e repensar a reciclagem profissional e o desenvolvimento das competências da força de trabalho. Uma reciclagem que não se deve focar apenas nos trabalhadores já no activo – e que poderão ver os seus actuais empregos “engolidos” pela robotização – mas que deverá ter também em conta a transformação dos currículos escolares dos futuros trabalhadores. Isto porque urge preparar as novas gerações para um processo de formação contínua ao longo da vida, única forma de responder a uma evolução tecnológica constante.
Percebe-se a dimensão da tarefa e sabe-se que será necessário um forte investimento, tanto público, como privado, para a levar a bom porto. Daí que se torne vital conseguir, em paralelo, que a economia portuguesa cresça a um ritmo mais robusto, favorecendo a criação de empregos e libertando meios financeiros para a educação e formação profissional. Importante será também aumentar o dinamismo dos negócios e a mobilidade da mão-de-obra.
Trata-se, afinal, como sustenta o Ministro do Trabalho, Vieira da Silva, de ultrapassar o nosso défice crónico de habilitações escolares, optimizando, em paralelo, o nível de qualificações tecnológicas dos nossos jovens – que já é reconhecido como elevado.
Só através da conjugação destes factores em modo de concertação social, juntando o público e o privado, Portugal poderá tirar o melhor partido da nova revolução tecnológica também ao nível do mercado de trabalho, rentabilizando, ainda, o trunfo da tradicional e forte capacidade de adaptação da nossa força de trabalho.