CGTP, nova liderança num mundo novo

Quase a cumprir 50 anos, a CGTP entra numa nova fase com Isabel Camarinha. Não é só a liderança da Intersindical que muda. Nos últimos anos, o mundo e o país mudaram. Está estabelecido um novo paradigma que traz vários desafios a Isabel Camarinha.

Eleger a primeira mulher para a sua liderança poderá ser um primeiro sinal de que a CGTP está a preparar-se para enfrentar os novos desafios que a modernidade trouxe. A terciarização da economia é reforçada a cada dia que passa. O individualismo marca cada vez mais as relações de trabalho. A digitalização do trabalho. As dinâmicas políticas tradicionais têm sofrido abalos por cá e um pouco por todo o mundo. Tudo isto tem posto em causa o sindicalismo convencional que tem caracterizado a base para o relacionamento entre os diferentes parceiros sociais durante toda a nossa democracia.

Infelizmente, ao contrário do que seria desejável, o sindicalismo português não percebeu a exigência da evolução do sistema económico e dos trabalhadores que, cada vez mais, pedem um sindicalismo que os defenda e promova, mas que os enquadre como parte de uma equipa na empresa e que os ajude a garantir uma maior participação nas decisões fundamentais da vida das empresas em que trabalham. Continuou a manter a promoção da luta social dentro da empresa, sempre promovendo a destruição do seu valor e minando as relações de confiança dentro de uma equipa que apenas tem possibilidade de sucesso no mundo extremamente competitivo em que vivemos se mantiver uma fortíssima unidade.

Seja por medo de enfrentar um novo desafio ou por apenas não se terem dado conta da evolução, a verdade é que já poucos têm dúvidas que temos assistido ao aparecimento de um “novo sindicalismo”, que pretende aproveitar-se deste desligamento com a realidade para vingar. Resta saber se este veio para ficar. Mas o seu impacto trará consequências e os portugueses foram já, por diversas vezes, surpreendidos pela vaga deste sindicalismo: greves convocadas por tempo indeterminado, com duvidoso respeito pelos serviços mínimos, financiadas por métodos inovadores, muitos deles inorgânicos, e que já provaram conseguir desestabilizar as normais relações em concertação social e, em última análise, o funcionamento da sociedade e da economia tal como o conhecíamos. Prova disso é o facto de, desde que o Governo do Partido Socialista de António Costa tomou posse pela primeira vez, nasceram mais de 50 novos sindicatos em Portugal e que mais de 90% deles não estão filiados em nenhuma central sindical.

E isso não é claramente bom nem para os trabalhadores nem para as empresas. Ambos necessitam de um sindicalismo forte e estruturado, mas que defenda verdadeiramente os trabalhadores (o que significa defender as empresas que lhes dão o modo de vida) e não esteja preocupado com a sobrevivência dos seus representantes.

A greve cirúrgica dos enfermeiros dos blocos operatórios, financiada com recurso ao crowdfunding; a greve dos camionistas de matérias perigosas, embalada por um sindicato fundado meses antes, ou o chamado “Movimento Zero”, um movimento com liderança sem rosto, associado à extrema-direita e que aglutinou uma parte significativa da insatisfação das polícias, são exemplos dos novos tempos que nos esperam.

Isto é também consequência do esvaziamento deixado pelos sindicatos tradicionais que não conseguiram, até ao momento, responder à nova realidade. Os novos sindicatos ou movimentos estão a querer ocupar esse espaço através, sobretudo, de uma suposta independência ideológica e partidária. E a sociedade actual é cada vez mais receptiva ao que vem de fora do establishment.

O caminho é o de se centrarem mais em reivindicações específicas que possam dar resposta a problemas crescentes como a precariedade, baixos salários, falta de oportunidades, incerteza relativamente ao futuro, especialmente dos mais jovens, e, de preferência, radicalizando as suas exigências e actuação.

É isto que Isabel Camarinha tem de ter em conta. Os antigos processos negociais e o discurso repetitivo e antiquado tem de ser abandonado pelas tradicionais estruturas sindicais, que têm de se adaptar ao novo paradigma.

As associações patronais, os sindicatos tradicionais, Governo e os próprios trabalhadores devem reunir esforços para, juntos, criarem um sistema capaz de satisfazer as necessidades de cada um e, dessa forma, evitar o radicalismo, a imprevisibilidade e a desestabilização. Lutar pelo aumento da produtividade das empresas, em paralelo ao aumento dos rendimentos e da motivação dos trabalhadores, é a maneira mais eficaz de atingir os objectivos comuns. Os sindicatos poderão pensar que esta mudança lhes retirará importância. Mas tenho a convicção de que, pelo contrário, dará maior relevância ao trabalho sindical, aproximando os trabalhadores das tomadas de decisão no interior das empresas – como é o caso alemão, onde está instituída a participação regular dos trabalhadores na gestão da empresa. As interacções entre trabalhadores e patrões seria feita de forma muito mais directa, célere e eficaz.

Trabalhadores, patrões e sindicatos devem estar reunidos na mesma equação. Empresas mais produtivas e dinâmicas abrirão portas a rendimentos maiores, a altos níveis de motivação, a uma vida mais digna dos trabalhadores e, no fim da linha, ao desenvolvimento da economia portuguesa, que deverá ser a prioridade de todos.

Bruno Bobone