Dar tempo ao tempo e oportunidade à vida

Eu acredito numa cultura de vida e rejeito uma cultura de morte.

Estou convencido de que Deus nos criou livres, como um acto de amor para connosco, dando-nos a capacidade de decidir em todos os momentos aquilo que consideramos ser o melhor para a nossa realização como pessoas e sempre numa perspetiva de fazer o bem.

Neste sentido não entendo que deva ser o Estado ou a sociedade a decidir sobre a minha vida; pelo contrário, todos devem ser totalmente responsáveis pelas suas decisões.

Por outro lado, ainda acredito que todos temos de respeitar a sociedade em que vivemos, cumprindo as normas que esta considere como essenciais à sua estrutura, ao seu desenvolvimento e à sua continuidade.

Acredito que a sociedade tem também a responsabilidade de criar normas e processos que ajudem os seus membros a conseguirem tomar as melhores soluções para as decisões que têm de tomar.

Tudo isto torna o tema da eutanásia num assunto extraordinariamente complexo, profundo, que pode ter um impacto enorme na própria estrutura futura da sociedade que estamos a criar.

Por isso, não acredito que este tema possa ser utilizado como bandeira política de um partido ou como fator de vitória ou derrota de um setor do espetro político nacional.

Não concebo que o tema possa ser sujeito a pressão política para que seja decidido com uma urgência que nunca se justifica, quando está em causa uma matéria de tamanha relevância na Sociedade.

Não acredito que se possa tomar uma decisão consciente sem que se tente conseguir o consenso dentro dessa mesma Sociedade.

Pessoalmente, apesar de ter estado bastante atento ao pouco debate que tem havido sobre esta questão, apenas me apercebi das questões que cada partido pretende que tenha esta lei. E pouco, ou nada, sobre a essência da questão.

Ainda não percebi que investimento vai ser feito em cuidados com as pessoas em situações de sofrimento, para que possam verdadeiramente decidir sobre aquilo que será melhor para cada um.

Para poder decidir em consciência se é melhor continuar a viver, é fundamental permitir que a pessoa possa ter dignidade nessa alternativa.

Viver sem dor e com as condições de dignidade que qualquer pessoa deve ter.

Não vi ainda nenhuma preocupação em saber como se evita que a pessoa não possa ser induzida a tomar uma decisão que não seria forçosamente a sua.

Como se evita que exista assédio no sentido de uma pessoa preferir acabar com a sua vida a continuar a viver?

Estou convencido de que este tema é imensamente importante e, como comecei por dizer, é até parte da integrante da vida que Deus me deu.

O amor de Deus dá-me a enorme maravilha de poder decidir aquilo que considero ser o meu caminho.

Mas eu nunca serei livre de escolher se não tiver as condições de tornar igualmente dignas as duas opções.

Nunca serei livre de escolher se aqueles de quem dependo me criarem pressão sobre a minha decisão.

Este não é um tema político e não pode nem deve ser um troféu de um partido que, por não ter outras vitórias políticas se agarra a um dos assuntos mais sérios e mais estruturantes de uma sociedade para tratá-lo como arma de arremesso, ou como conquista política.

É uma decisão que nos afeta a todos, tentemos ser capazes de decidir em conjunto garantindo proteger aqueles que podem ser prejudicados por uma lei que possa promover a morte.

O direito de decidir é fundamental, mas esse direito não me será dado por um partido político.

Foi Deus que, quando me criou, me deu essa enorme prova de amor.

Por isso, não podemos ter pressa, temos de decidir com cuidado, com tempo, com temperança, para que possamos decidir bem.

Publicado em Diário de Notícias no dia 23/12/2023