Ivo Rosa – a salvação da justiça portuguesa

Assistimos na passada sexta-feira a um episódio da maior importância no que respeita à justiça portuguesa.

A leitura da decisão instrutória do processo Operação Marquês foi acompanhada por uma parte importante dos cidadãos nacionais, que no final ficaram muito mal impressionados com o sistema judicial português.

Na sua decisão, o juiz Ivo Rosa conseguiu reconhecer que o acusado tinha praticado atos de corrupção, mas não pode ser julgado por isso. Que o acusado recebeu dinheiro de outras pessoas sem que houvesse razão para tal acontecer, mas encontrou razões para o justificar e para o ilibar do pagamento de imposto que paga o comum dos mortais, apenas por receber o seu salário honesto. Não acusou aqueles que receberam dinheiro e pagaram favores, mas acusou os seus acusadores. Finalmente o juiz Ivo Rosa ilibou pessoas, apesar de reconhecer que foram parte em transferências de valores importantes não justificadas, sem nunca o ter preocupado a origem e a razão dessas transferências.

Em face desta situação, as reações fizeram-se sentir e dividiram-se entre aqueles que consideram que o Juiz Ivo Rosa é incompetente por não conseguir pronunciar quem é corrompido nem quem é corruptor, outros que, ainda que justifiquem a sua competência, consideram que errou em várias das suas decisões e os terceiros que, por alguma relação política ou pessoal com os arguidos, preferem reconhecer que, apesar da postura amigável do juiz Ivo Rosa, ainda assim há uma pronúncia aos acusados que não deixa de ser alguma justiça.

Em todas elas há uma coincidência.
A sensação de que a justiça não foi alcançada!

E não importa se a competência do juiz advém da sua formação de origem nem se o processo penal deve ou não ser encarado desta ou de outra maneira. Aquilo que se pretende de um processo judicial é que faça justiça, e isso falhou.

A existência de apenas dois juízes para se ocuparem desta fase do processo não é compreendida, mas que estes dois juízes tenham entendimentos tão distintos daquilo que é a justiça funciona como uma desacreditação de todo o sistema. Se sair um juiz, a probabilidade é de que seja pronunciado, se sair outro, já não.

Daquilo que entendi, a decisão do juiz de instrução baseia-se na sua análise sobre se há uma previsibilidade substancial de que haja uma condenação, caso em que deve decidir-se pela pronúncia.

Ora, esta dependência da justiça sobre a capacidade de previsão de um juiz não deixa de a tornar, ainda mais, um certo jogo de sorte, já que, presumo eu, as avaliações das capacidades prospetivas não farão parte da prova de exame para juiz.

Na verdade, aquilo que verificamos, se formos analisar os casos que têm sido tornados públicos e que estiveram nas mãos do juiz Ivo Rosa, é que a capacidade de previsão deste juiz é bastante fraca, já que, em muitos deles, depois de decidir não pronunciar muitos daqueles que estavam acusados pelo Ministério Público, estes acabaram por ser julgados e condenados.

Ou seja, tudo leva a concluir que não há dúvida de que o sistema judicial português não está a funcionar e que as suas decisões deixaram todos convencidos de que a justiça não foi feita. É certo que ainda há todo um caminho e que existem muitas possibilidades de mudar aquilo que foi agora decidido. Mas se é para mudar porque não se faz certo desde o princípio?

Na verdade, aquilo que esta decisão de Ivo Rosa nos veio trazer foi a certeza de que o sistema judicial português tem de ser mudado.

Por isso digo que temos hoje, a partir das diferentes reações à decisão deste juiz, a oportunidade de mudar a justiça portuguesa e essa mudança pode ser verdadeiramente a sua salvação.

Texto originalmente publicado na edição do Diário de Notícias de 16 de Abril de 2021.

Bruno Bobone