
Não estamos condenados
Lembro-me de um tempo em que as pessoas eram boas.
Eram sérias e educadas. Preocupavam-se com as coisas dos outros e não usavam o que não lhes pertencia.
Tinham respeito uns pelos outros e respeito por tudo o que as rodeava. Limpavam o seu quintal e cumprimentavam o seu vizinho.
Eram lideradas por pessoas que se tinham preparado em cultura e saber para que melhor pudessem decidir.
Tinha valor a família e aos mais velhos reconhecia-se o saber da sua experiência.
Os animais eram bem tratados, mas não idolatrados, a terra era cultivada, o crescimento era programado e ordenado e as contas eram prestadas.
A imagem tinha a sua influência, mas não era a única razão de todas as decisões.
E, ainda assim, havia injustiças. E faltava-nos a liberdade.
E veio a revolução.
Cheia de esperança e de futuro.
A liberdade que iria dar às famílias uma maior capacidade de crescer.
Abria as portas a quantos estavam afastados do poder e que, com todo o seu saber e conhecimento da modernidade, iriam dar ao nosso país uma maior riqueza e, principalmente, uma maior capacidade de partilhar essa riqueza.
Iriam respeitar mais os portugueses e cada um poderia mandar mais no seu futuro.
Os novos políticos seriam mais próximos do seu povo, mais responsáveis e seriam capazes de nos dar acesso a muito maior desenvolvimento.
A escola para todos daria gente mais culta, a terra para todos daria gente mais rica e a liberdade de acesso daria gente menos gananciosa.
E durante algum tempo assisti a um país mais livre, a gente a melhorar a sua vida e a muitos a terem uma vida mais digna.
A liberdade fazia o seu caminho e cumpria, melhor ou pior, a sua promessa.
Mas foi passando o tempo e deitaram de novo fora a liberdade.
Começou a ser proibido dizer o que se pensa e só se pode dizer o que eles pensam.
Desvalorizou-se a família por inveja de quem a tem.
Desvalorizou-se o ser sério por vantagem de quem tem o poder.
Deitam-se fora os mais velhos porque a sua consciência limita a permissividade.
A cunha antes criticada passou a ser a forma de estar.
Nada se planeia nem se avalia.
Destrata-se quem é fundamental à sociedade e valoriza-se quem pouco vale apenas porque é útil ao crescimento no poder.
O povo começa a ficar descontente. E procura a solução onde lhe prometem a diferença.
E já sem liberdade, sem crescimento, sem respeito e sem acesso, obrigado a servir quem não merece e a sentir-se usado e abusado por quem se arroga ser dono do país, vai procurar a solução sem liberdade e sem respeito, sem grandeza e sem futuro, mas que lhe dá a esperança de voltar a ter a família, a tranquilidade de uma comunidade que o cerca e o governo de quem parece saber mais, ainda que não o faça verdadeiramente viver melhor.
É este o nosso caminho e eu vivo na pequena esperança de que mais alguém, despertando para esta realidade, me ajude a convencer este povo de que não existe a fatalidade de ter de ser assim.
Que nos ponhamos todos em marcha e que juntos recuperemos os nossos valores, que exijamos respeito, que queiramos a liberdade, que promovamos os que são bons e não deixemos aqueles que abusam.
Que sejamos fortes e reconstruamos o país com todos aqueles valores, em liberdade, em verdade e em prol de um povo que merece.
Artigo publicado em Diário de Notícias no dia 27/01/2023