O tempo é este

Foi no final de 2021 que, numa conversa longa com o Papa Francisco, em que falávamos sobre a importância de voltar a colocar a pessoa humana no centro das preocupações do desenvolvimento mundial, o Santo Padre se levantou, foi ao seu armário, e voltou com um livro, editado em plena pandemia, e marcado por tudo o que essa crise nos trouxe, tanto de consciência como de sofrimento e esperança.

Sonhemos Juntos é o título do livro. Resulta de um tempo de reflexão em que estivemos todos confinados, com a consciência de que havia muito que mudar na forma de viver do Mundo, e com a esperança de poder contribuir para que essa mudança pudesse ir no sentido de sermos mais unidos e mais capazes de criar uma sociedade que inclua, que desenvolva e que cuide de todos os seus membros.

Neste livro o Papa Francisco leva-nos a um processo de discernimento que começa pela necessidade de ver a realidade, que nos deve seguidamente permitir escolher, para finalmente atuarmos de forma a conseguirmos atingir aqueles objetivos.

E na vertente do ver, diz-nos que temos de ter a coragem de olhar para onde é mais difícil.
Procurar o lugar em que mais se sofre e impedir que nos tome o desfoque da indiferença, que é a maior limitação para que possamos ter verdadeira consciência das condições indignas de vida dos que nos rodeiam.

A pandemia teve o condão de nos fazer mais próximos e de nos despertar para essas realidades que se encontram mais nas periferias, aonde vamos poucas vezes visitar.

Na perspetiva da escolha, aquilo a que nos desafia este livro é a sermos menos autossuficientes nas nossas decisões, que abramos aos outros a nossa atenção e que com as suas contribuições possamos tomar uma posição mais justa e mais estruturante para o futuro das nossas comunidades.

A consciência de que dependemos uns dos outros, e a certeza de que da opinião de todos sairá sempre uma resposta mais justa e mais rica é o que motiva o processo sinodal promovido pelo Santo Padre.

Sínodo quer dizer em grego, caminhar juntos. E num processo sinodal aquilo que se pretende é fazer participar todas as diferentes visões, sem que nenhuma se anule, de forma a poder-se encontrar um caminho que, por integrar todas essas diferenças, será um caminho melhor.

A principal perspetiva deve ser escutar o outro e abrir a mente à diferença.

Finalmente, no que respeita à ação, o Papa Francisco dá-nos o caminho dizendo que o que importa é colocar sempre o povo como o objetivo prioritário das nossas decisões.

Diz-nos mesmo que falar do povo é um antídoto para a tentação constante de criar elites e que o elitismo reduz e restringe as riquezas que Deus colocou na Terra, não para servirem só alguns, mas para serem partilhados.

Depois das crises que vivemos, com a pandemia e a guerra na Ucrânia, a consciência de que temos de mudar a nossa forma de viver como sociedades tornou-se evidente e mesmo premente.

A ideia de que somos todos dependentes uns dos outros e que somos sempre mais capazes de ultrapassar as crises quando estamos juntos do que cada um por si, tornou-se uma evidência.
Mas, para que tomemos as decisões certas para fazermos a mudança que nos convém como povo, precisamos de discernir, precisamos de tempo para ver, para escolher e para atuar, seja na economia, na ecologia ou na decisão sobre a Vida.

Este período de Natal é o tempo certo para termos esse tempo e por isso quis partilhar tudo isto que recebi do Santo Padre, para que possamos decidir melhor.

Artigo publicado em Diário de Notícias no dia 30/12/2022