
Perdão
A Igreja falhou na sua responsabilidade para com todos os que a Ela se confiaram, que sofreram abusos inaceitáveis e foram sujeitos a anos de sofrimento por parte de quem tinha a obrigação de os cuidar e proteger.
Falhou também no tempo que demorou a confrontar esta realidade terrível, e falha ainda em parte naqueles que dentro da Igreja não assumiram ainda essa sua responsabilidade.
Eu também sou Igreja.
Sou católico e, por isso, também sou responsável.
Eu não conheci nenhum caso de pedofilia ou de abusos sexuais dentro ou fora da Igreja.
Mas eu também sabia que muito se falava e que muito se dizia e nunca me confrontei com a hipótese de que poderia de facto haver algum risco de que alguém pudesse estar a sofrer tamanha injustiça.
E se a pedofilia e o abuso sexual é, malfadadamente, uma realidade odiosa que existe na nossa sociedade, também eu devia ter pensado que era necessário verificar da sua existência, pelo muito que se falava e muito que se dizia.
Por tudo isto, também eu como Igreja, peço perdão.
Peço perdão a todos os que passaram por estes horrores e peço perdão a todos os que, durante tanto tempo sofreram sem qualquer ajuda e calaram, profundamente doridos, a sua vida.
Muito se tem escrito e comentado sobre este caso, o que é natural e razoável, pois sendo um caso de absoluta relevância, ninguém pode ter deixado de ser tocado e chocado por esta realidade.
A todos eles e a Deus que nos criou, peço perdão.
Há quem tenha tido a coragem de pedir perdão, reconhecendo o pouco que isso servirá ao passado, mas com a certeza da sua fundamental influência no futuro.
Há quem tenha tentado esconder a realidade com medo das suas consequências ou talvez por medo de que a sua convicção não fosse suficiente para aguentar a pressão de assumir a culpa.
Outros apenas comentaram a situação.
Mas houve também os que tentaram aproveitar o tema, não para se preocuparem com as vítimas desta desgraça, mas para usarem mercantilisticamente o tema, para aumentar a tiragem do seu jornal ou a audiência dos seus programas.
Aquilo que devemos fazer com urgência e convicção é dar apoio a todos os que por tudo isto passaram e que ainda sofrem com a sua memória.
Temos que criar formas de garantir que não se voltará mais a passar uma situação parecida, nem na Igreja nem em nenhuma outra instituição que tenha a seu cargo aqueles que precisam dos seus cuidados e proteção.
Temos que aproveitar toda esta dor para sem qualquer hesitação transformar a sociedade em que vivemos e garantir que nos responsabilizamos verdadeiramente por todos aqueles que precisam do nosso cuidado, sem deixar que ninguém se aproveite das suas fragilidades.
Temos que responsabilizar mais a instituições da nossa democracia para que estejam atentas a todas as injustiças que se passam diariamente às nossas portas.
Viver uma verdadeira liberdade em que os mais frágeis não tenham medo de dizer o que estão a passar, onde não haja iluminados nem intocáveis entre os que nos governam, seja na Igreja, seja no País, ou em qualquer outra instituição.
Uma sociedade que não vê nem no mais forte, nem no mais rico, nem no mais poderoso a fonte da verdade inquestionável.
Uma sociedade em que tenha lugar a Verdade e o Amor.