PS sai reforçado, mas será que a direita perdeu?

Pode parecer uma contradição. O PS ganhou de forma clara as eleições, reforçou a sua legitimidade e o seu poder parlamentar, mas o cenário será de maior instabilidade do que nos últimos quatro anos.

Há quatro anos, António Costa, depois de ter perdido as eleições, conseguiu criar uma solução inovadora na democracia portuguesa para formar Governo. E por ser a primeira vez que se tentou um acordo deste género, as dúvidas eram grandes. A estabilidade manteve-se, em parte, pelo poder negocial e “jogo de cintura” não só de Costa mas também da CDU e do Bloco de Esquerda. A conjuntura internacional favorável e o clima de recuperação económica fizeram o resto do trabalho.

Agora, há vários factores que mudaram. O PS ganhou as eleições e reforçou a sua posição política e legitimidade. Não precisa de acordos escritos, tendo margem para se ir voltando para a esquerda ou para a direita, negociando caso a caso, medida a medida, diploma a diploma. Por outro lado, a CDU e o Bloco de Esquerda têm dados concretos para concluir se uma aliança a um Governo socialista é positiva ou negativa, ao contrário de há quatro anos. Rapidamente se percebeu que a “geringonça” tinha tido um impacto negativo no lado comunista, que já se demarcou de um possível entendimento. O BE deixou a porta aberta, porque o apoio dado a Costa não deixou marcas.

Esta governação sustentada pela negociação caso a caso – que parece ser o cenário mais provável para a próxima legislatura – é, por si só, mais instável do que uma maioria baseada num acordo escrito. Mas a conjuntura internacional também não é a mesma. O contexto económico na Europa é cada vez mais instável (olhe-se para o Reino Unido, Itália e, principalmente, Alemanha). Ou seja, é melhor que o próximo Governo não conte com a benesse da estabilidade internacional.

À direita assistiu-se a uma clara perda de votos. O CDS foi o grande derrotado. Rui Rio conseguiu manter-se à tona, evitando uma hecatombe do PSD, tal como chegaram a sugerir algumas sondagens há um mês. Porém, apesar da derrota da direita, a esquerda não se pode dar como vencedora.

Mas será que a direita perdeu? A entrada da Iniciativa Liberal e do Chega é uma novidade na política portuguesa. Pela primeira vez assistimos à entrada de projectos disruptivos de direita no parlamento e, quer se concorde ou discorde com o que defendem, ambos criaram oportunidades que não existiam na direita portuguesa.

O primeiro tem o claro mérito de se poder vir a afirmar como uma alternativa aos partidos tradicionais, assumindo posições inovadoras e competitivas, e não comprometidas com o passado. Torna-se, ou pode tornar-se, numa verdadeira novidade para conquistar o voto da direita tradicional.

No caso do segundo, assumindo uma posição política mais radical, há o mérito de paradoxalmente recentrar a política portuguesa, que sempre teve partidos de extrema esquerda com representação parlamentar e nunca um partido de extrema direita. Para além disso, é agora mais difícil a vontade que muitos tiveram de associar um partido como o CDS à extrema direita.

Claramente está criada a oportunidade de Reinventar a direita o que poderá ser, ao contrário daquilo que resulta dos votos deste Domingo, o princípio de um caminho de recuperação para a direita.

A CDU sofreu uma pesada derrota e o BE não conseguiu alcançar a vitória que também se esperava – teve, aliás, menos votos do que há quatro anos, estagnando na sua representatividade parlamentar.

O mais inesperado, e os restantes vencedores, encontra-se nos restantes partidos mais pequenos. Um crescimento do PAN, que continua a ser um vazio ideológico, programático e político e o surgimento do Livre que entra pela primeira vez no Parlamento.

Uma última nota para os números da abstenção, que nestas eleições bateram recordes. Muito se costuma falar disto a cada eleição. Mas a classe política tem de olhar para a abstenção de forma séria e deixar de pensar que se deve apenas à preguiça dos eleitores. Estes números são também uma mensagem. E devem ser interpretados como um sinal de que o discurso, actuação e postura dos actuais políticos afastam cada vez mais as pessoas.